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Ativismo negro no Brasil: considerações sobre o painel da primeira edição da Pour le Brésil

Por Camille Trannoy

04 de maio, 2021


As ativistas Elisa Lucinda (foto por Fabiana Reinholz), Kelly Silva Baptista (foto por Felipe Adati) e Erica Malunguinho (foto da Comunicação Alesp), palestrantes na Conférence Pour Le Brésil 2020


O Brasil é reconhecido internacionalmente por sua diversidade e rica cultura. Esta heterogeneidade em suas tradições é produto direto da variedade das origens de sua população, o que está diretamente associada à uma parte sombia de sua história: escravidão e discriminação racial.

Atualmente, 56% dos brasileiros são negros. Educação, saúde, violência, brutalidade policial, política, renda: todas as áreas da sociedade são afetadas pelas desigualdades raciais. 9,1% dos adultos negros são analfabetos (contra 3,9% dos brancos); 9,3% têm diploma universitário (contra 22% dos brancos); 75% das pessoas assassinadas são negras; 67% das pessoas encarceradas são negras; enquanto 24% dos deputados federais são negros, segundo a BBC Brasil.

Antes de sua abolição em 1888, a escravidão era uma dos fundamentos do sistema econômico do Brasil. Os descendentes desse sistema ainda sofrem as consequências dele e o Estado é insuficiente em promover políticas públicas que reduzam as desigualdades raciais. Já que o racismo está na base estrutural da sociedade brasileira, também é preciso ir além, desconstruindo representações culturais, sociais e psicológicas.

A Conferência Pour le Brésil perguntou a três inspiradoras mulheres negras, reconhecidas figuras do ativismo negro no Brasil, o que, em sua opinião, poderia ser feito para promover a conscientização e a mudança nas questões raciais.


A reinvenção necessária

O diagnóstico feito pelas três distintas oradoras foi claro: o sistema, tal como existe hoje, é racialmente tendencioso. A solução indicada pelos movimentos negros como central é: se o sistema não leva devidamente em conta a vida e as experiências dos negros, então o sistema deve ser mudado e reinventado para incluí-los.

Érica Malunguinho, deputada estadual eleita recentemente no Estado de São Paulo, explica com base em seu conhecimento e experiência pessoal de política no Brasil como o cenário político atual tem dificuldades em proporcionar uma representação adequada dos indivíduos racializados e suas preocupações. Ela explica, por exemplo, como os partidos de esquerda brasileiros, considerados os mais próximos das reivindicações do movimento negro, foram inicialmente criados em torno do conceito de luta de classes. A divisão por classes é um conceito europeu que, segundo ela, não se aplica à sociedade brasileira, onde as desigualdades de riqueza estão intimamente ligadas à raça e à história da escravidão. Portanto, os partidos políticos existentes não podem representar os negros em toda a sua extensão, e ela pede aos cidadãos negros que criem suas próprias experiências políticas e reformem a estrutura política existente.

Elisa Lucinda, uma conhecida artista e ativista, fala sobre o paternalismo e como o conhecimento e a cultura do povo negro é constantemente minada e deslegitimada. Ela dá o exemplo das palavras que usamos para caracterizar as culturas negras: as ciências e religiões dos negros serão chamadas de “superstição”, enquanto as línguas serão chamadas de “dialetos”. Pelo uso da semântica, a criatividade e o conhecimento da cultura negra serão apagados para o lucro do conhecimento tradicional, branco, considerado mais “apropriado”. Podemos também vincular esta discussão ao debate em torno da apropriação cultural, e como a cultura branca se apropria do conhecimento negro para fazê-lo parecer mais “científico” e gerar lucros: é o caso, por exemplo, da fitoterapia, da homeopatia e de uma grande variedade de medicamentos baseados no conhecimento das plantas, muitos dos quais são conhecimentos tradicionais negros.

Kelly Silva Baptista, membro da Fundação 1Bi, uma organização que ajuda jovens de áreas menos favorecidas a entrar em contato com a tecnologia, menciona como a tecnologia é projetada principalmente pelos brancos e pode, portanto, apresentar um viés racial. Por exemplo, o programa de busca de imagens do Google não proíbe que quando buscamos por “pessoas negras”, apareçam imagens de macacos. Este viés mostra como em algumas áreas que podem parecer racialmente neutras, tais como a tecnologia, a falta de inclusão de profissionais negros pode ter consequências muito concretas e prejudiciais.


Voltando às raízes: comunidade e cultura negra

Depois de perceber que o sistema foi frequentemente construído por e para os brancos, e que áreas que podem parecer neutras à primeira vista (como política, linguagem ou tecnologia) realmente excluem os negros, surge uma pergunta simples: o que podemos fazer para mudá-lo? Nossas convidadas também concordam em uma solução potencial: a luta contra o racismo será protagonizada pelos negros, utilizando ferramentas que eles já possuem. A ideia central que eles exploram é a de voltar às raízes, à cultura e às habilidades negras que permitirão aos ativistas criar um modelo alternativo.

Elisa Lucinda menciona a importância da arte como educação. As artes, e amplamente a cultura, a história e as ciências dos negros brasileiros foram muitas vezes ignoradas, esquecidas ou desprezadas. O primeiro passo é criar uma educação em torno da cultura negra, aprender o que significa ser negro no Brasil, que conhecimento foi criado por esta população.

O segundo passo importante é, para usar a expressão de Érica Malunguinho, manter contato com o “cotidiano da Negritude”, que significa estar em contato com a realidade de nossos vizinhos negros, amigos ou familiares; ouvir as pessoas que estão diretamente preocupadas com as questões raciais e ouvir suas idéias. O principal objetivo é criar um senso de comunidade e solidariedade construído em torno de uma história e realidade compartilhadas, e encontrar as ferramentas para repensar o sistema entre os negros e sua cultura e ideias.

Érica fundou há alguns anos um “quilombo urbano”, chamado Aparelha Luzia. “Quilombo” é uma palavra usada para descrever, historicamente, o assentamento de escravos negros que haviam escapado. A ideia por trás da re-atualização deste conceito histórico é tomar como exemplo e inspiração as iniciativas de organização política e social que já existem dentro da comunidade negra. As ferramentas para repensar o sistema virão da capacidade dos negros de se organizar, compartilhar suas ideias e esperanças; isso levará a uma mobilização política e à implementação da igualdade racial.


Sobre nossos convidados

Kelly Silva Baptista é membro da Fundação 1Bi, uma organização que trabalha com educação através e sobre tecnologia, com um objetivo mais amplo de proporcionar as mesmas oportunidades para todos. Ela é uma feminista e ativista negra e empreendedora. Lançou recentemente o podcast “Vozes Femininas”, para aumentar a conscientização sobre diferentes questões que dizem respeito às mulheres.

Érica Malunguinho é uma política, ela se tornou em 2018 a primeira pessoa transgênero a ser eleita na Assembléia de São Paulo. Ela é também a fundadora da Aparelha Luzia, um “quilombo” urbano que oferece aos negros um espaço para trocar idéias e desfrutar de diferentes manifestações de arte e cultura.

Elisa Lucinda é uma poetisa, jornalista, escritora, cantora e atriz. Ela tem sido durante muito tempo uma defensora dos direitos e da igualdade dos negros. A negritude é um tema recorrente em suas produções artísticas. Ela é a fundadora da “Casa-Poema”, uma instituição que ensina oralidade e comunicação através da poesia. O seu livro mais recente é “Vozes Guardadas”, publicado em 2016.

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